sábado, 8 de agosto de 2009

SER MULHER NA ORDEM DO DIA

De Aparecida Brandão
Para a grande educadora Socorro Lacerda

MAIS QUE UMA SEQUENCIA DE CONCEITOS
É UMA TRILHA EM DESALINHO DA HISTÓRIA
UM DESBRAVAR DE TERRAS DESCONHECIDAS
RASGADAS PELO VENTRE EM REBENTO


NÃO LHE RENDAM HOMENAGENS
SE ACERQUEM DE CORAGEM
TENHAM CUIDADO COM ESSA GUERREIRA
SEM SENTIDO LIMITADO PARA AS COISAS
NÃO ESTRANGULEM SEUS SONHOS
NÃO DILACEREM SUAS CARNES
NÃO DESCUIDEM DE SUAS EXPLOSÕES
DE SEUS MUNDOS EM EBULIÇÃO
EM REVOLUÇÃO
EM DESARMONIA COM A HARMONIA PRÉ –ESTABELECIDA
NÃO LHE IMPONHAM LEIS OS FORA DA LEI
NÃO LHE SUBLIMEM A FORÇA
HÁ UM SANGUE QUE ESCORREGA
CORRE EM BUSCA DAS MARÉS MAIS VIOLENTAS
DOS VENDAVAIS
DOS VULCÕES
DEBATENDO-SE CONTRA O TEMPO
VIOLANDO AS CORDAS DA VIOLA
NUMA CANÇÃO
QUE FAZ ATIÇAR O FOGO
VIAJAR AS MONTANHAS
“HÁ QUE SE PRECAVER”
QUANDO O SANGUE LHE ESCORRE
EM CHAMAS DE PRAZER
VERSO DA REVOLUÇÃO INCONTIDA
VERVE DAS PALAVRAS NÃO DITAS
SEDE DOS RAIVOSOS GUERREIROS
UIVO DAS FERAS FERIDAS
IRA DAS TEMPESTADES SILENCIOSAS
RAMPA
DESGOVERNADA DA HISTÓRIA.
TENHAM CUIDADO...

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

A RELAÇÃO LITERATURA / HISTÓRIA : UM CAMINHO PARA COMPREENSÃO DAS PRÁTICAS SOCIAIS

AUTORA: APARECIDA BRANDÃO
A principio, partindo da compreensão de que o ato de ler implica na percepção das relações e diálogos entre o texto e o contexto, Paulo Freire, em seu pensamento e prática guiados por uma cosmovisão dialógica e pela interação, chama a atenção dos educadores na direção de também exercitarem o diálogo e a interação em suas práticas. No caso da literatura, começamos por compreendê-la como um fenômeno estético que se concretiza por intermédio de um tecido de relações sócio-historicamente construídas, vindo, assim, assinalar pontos de convergência com a pedagogia freiriana. Ao tomarmos para leitura obras de tempos mais remotos, nos tornamos co-produtores e reinventores de seu tempo de produção, mediando, assim, travessias para construção de novos sentidos e significados na sucessividade da história, conforme vemos em Bakhtin (2000, p. 364) :


Uma obra não pode viver nos séculos futuros se não se nutriu dos séculos passados. Se ela nascesse por inteiro hoje (em sua contemporaneidade), se não mergulhasse no passado e não fosse consubstancialmente ligada a ele, não poderia viver no futuro. Tudo quanto pertence somente ao presente morre junto com ele.


Anunciada pela História Nova, na mesma linha de pensamento, enquanto monumento e instituição social viva, a literatura passa a ser compreendida como um processo no qual são tecidos os conflitos, buscas, pensamentos e ações humanas. A sala de aula como um mosaico de descobertas nos permite a reinvenção dos conceitos.

Numa aula teoria da literatura, revisitando alguns conceitos básicos acerca do literário, nos deparamos com uma acepção do crítico Afrânio Coutinho que diz que a literatura não visa informar, ensinar, doutrinar, pregar, documentar, mas que acidentalmente ela pode fazer tudo isso. (In notas de Teoria literária), pois bem, esse acidentalmente nos provocou. Esse acidentalmente transformou a sala de aula naquilo que costumamos chamar de espaço para o embate de idéias. Naquele momento rompemos com a prática de não questionarmos, como devíamos, os conhecimentos livrescos. Com efeito, a palavra acidentalmente nos colocou diante de um universo de possibilidades que abriram rumos para novas discussões.

A exemplo daquilo que fundamentalmente diz respeito aos marcos ideológicos imanentes ao artista – o artista, aliás, todo e qualquer ser humano é dotado de visões de mundo, então a literatura que é a história do homem contada pelo próprio homem, traz uma carga de intencionalidade bem sintomática. Então, como grassa aí no senso comum que nada é por acaso, o acidentalmente passou a ser substituído pelo “intencionalmente” na visão dos graduandos.

Sendo assim, o ato de ler extrapola os limites do texto e a literatura não reside apenas no texto, nem apenas no autor ou no leitor, mas dentro de toda uma dinâmica de múltiplos olhares. Autor e leitor se constituem ao lado de outras camadas representativas do texto literário, como existências históricas que se redefinem a cada ato de produção e a cada leitura, construindo nas tramas da dialética um movimento inédito na balança da escala social de cada tempo.Conforme Bakhtin (2000, p. 364), enfatizamos:

Não é muito desejável estudar literatura independentemente da totalidade cultural de uma época, mas é ainda mais perigoso encerrar a literatura apenas na época em que foi criada, no que se poderia chamar sua contemporaneidade.


As reflexões postas por Bakhtin voltam-se para aquilo que pensamos ser o começo de alguns esclarecimentos a respeito do que estamos pontuando neste estudo. Não nos basta olhar o presente sem as marcas históricas do passado, principalmente no tocante aos reflexos que permaneceram como herança cultural para a formação e a construção da mentalidade brasileira, desde os primeiros momentos de sua colonização. Compreendendo a trama de relações que dá origem a novas formas de inserção social e cultural numa sociedade, Bloch (1964, p. 96) desenvolve sua linha de pensamento nesse sentido, salientando que: ... “numa sociedade, qualquer que seja, tudo se liga e se comanda mutuamente: a estrutura política e social, a economia, as crenças, as manifestações mais elementares e mais sutis da mentalidade”.

Antes, porém, de qualquer outra compreensão, cabe-nos refletir sobre a relação que a história mantém com a literatura. Ora, a literatura reflete o momento histórico e como tal constitui-se em representação da história. Isto é, ambas orientam-se a partir de vivências pessoais, sociais e culturais. (KUPSTAS E CAMPOS, 1988) Ambas se concretizam em práticas discursivas por darem voz aos atores que as constituem, não recorrendo ou valendo-se apenas da importância que cada um ocupa em seus cenários, mas considerando dentro de todo um contexto em produção ou já produzido, forças somativas das partes que dão sustentação ao processo vivido.

A relação literatura / história já se manifesta lá em Aristóteles. No capítulo IX de sua Poética, o filósofo lança algumas preocupações nesse sentido:

Pelas precedentes se manifesta que não é ofício do poeta narrar o que aconteceu, sim, o de representar o que poderia acontecer, quer dizer: o que é possível segundo a verossimilhança e a necessidade. Com efeito, não difere o historiador e o poeta por escreverem verso ou prosa (pois que bem poderia ser postos em versos as obras de Heródoto, e nem por isso deixariam de ser história, se fosse em verso o que era em prosa) diferem, sim, em que diz um as coisas que sucederam, e outro as que poderiam suceder. (1993, p. 53)



Ao mencionarmos essa relação, já manifestamos nossas inquietações com relação aos vínculos que a literatura e a historia vêm construindo. Como disciplinas inseridas no currículo escolar, ambas compõem um porto de passagem para o conhecimento de mundo. Por essas razões, todo profissional dedicado à literatura deve ser, antes de tudo, um conhecedor da história, já que é da história que a literatura se nutre, retirando-lhe os fatos que vão garantir a verossimilhança do processo artístico em geral. É por entendermos esses princípios norteadores, que em outro artigo faremos uma incursão pelos caminhos da história com a finalidade de arrematarmos os fios que deram e continuam dando formatação ao nosso processo social .

BIBLIOGRAFIA
ARISTÓTELES. Poética. São Paulo: Ars. Poéticas, 1993

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. 3ª ed. São Paulo: Martins fontes, 3ª edição, 2000.

BLOCH, Marc. Apologie pó l’ histoire ou Méthier d’ histrien. Paris: A Colin, 1964.
KUPSTAS, Márcia, & CAMPOS. Literatura, Arte e Cultura. São Paulo: Ática, 1988.