domingo, 22 de março de 2009

VI COLÓQUIO INTERNACIONAL PAULO FREIRE
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO - UFPE

NO CAMINHO DA LEITURA: REFLEXÕES SOBRE A FORMAÇÃO DO LEITOR NA CONSTRUÇÃO DE SEU PROCESSO EMANCIPATÓRIO

AUTOR: MARIA APARECIDA VENTURA BRANDÃO
Mestre em Educação pela Universidade federal do Espírito Santo – UFES, Docente da Universidade de Pernambuco – UPE – Educadora de Apoio da Escola Eduardo Coelho –Rede Estadual de Ensino de Pernambuco.

Os leitores são viajantes: eles circulam sobre as terras de outrem, caçam furtivamente, como nômades através dos campos que não escreveram.
(Michel de Certeau)

Este trabalho inscreve-se no mundo da produção de leitores e leituras, trazendo possibilidades para nossas reflexões acerca do ato de ler como uma prática emancipatória e consequentemente como um fenômeno social permeado pela ativa inserção do sujeito leitor no mundo.

Com efeito, trazemos como âncora para essas abordagens, o pensamento de Paulo Freire – um educador comprometido com a construção do mundo pela palavra: a força, o verbo e o motor da história da humanidade. Assim sendo, em sua extensa produção, Freire vai centrar seu pensamento na relevância do ato de ler como um processo de emancipação, participação e inserção dos seres humanos no mundo. Segundo o pensador, a leitura do mundo ao preceder a leitura da palavra alcança um nível de significados insuperável, tornando-se, assim, o tônico que dará força ao sujeito para agir no mundo na perspectiva de sua transformação. É essa precedência que vai impulsionar de forma significativa a construção efetiva do código escrito porque parte sempre da experiência existencial do sujeito em comunhão com o mundo que o cerca, cheio de novidades a cada novo dia – o mundo que o mobiliza e que precisa ser assumido por esse sujeito que adquire em sua completude a condição de autor de seu processo, de sua dinâmica social, de sua história e de sua transformação.

Sendo assim, a leitura para Freire assume em sua obra uma particularidade especial porque é fruto uma experiência por ele vivenciada em alguns momentos de sua escolarização, onde nem sempre a leitura da palavra foi originada na palavra de mundo. Esse foi, talvez, um dos eixos que mobilizaram suas idéias e preocupações acerca da apropriação da leitura pelo sujeito, ou mesmo o motor de toda uma pedagogia assentada na leitura com implicações na construção de práticas sociais libertadoras.

No âmbito do cenário brasileiro, essas implicações resultaram na formação de um sujeito leitor que viveu a mercê de uma dívida social extensa e que lhe deixou como herança um campo de visão conformista , uma expressiva docilidade na manutenção da ordem vigente, reproduzida por uma escola, que, aparelhada pelo estado, continua não atentando para as armadilhas tecidas no seio de uma minoria dominante, alicerçada pela idéia de ordem como silêncio dos menos favorecidos, de alfabetização como decodificação mecânica e de progresso como acumulação e geração de bens pelas classes que vêem se mantendo no poder durante quase cinco séculos de história.

Nesse contexto Freire passou a representar um grande perigo para a ordem estabelecida. Suas idéias partem da construção de uma percepção crítica pela escola, no tocante a formação de leitores – uma percepção que leve à interpretação e a re-escrita da história que oficialmente recheada de fatos, ancorados pelo poder da ideologia dominante, com caráter imaginário foi reproduzida para os seus educandos / as, e, que segundo o próprio FREIRE (2000, P. 142) a ideologia tem a ver diretamente com a ocultação dos fatos, com o uso da linguagem para penumbrar ou opacizar a realidade ao mesmo tempo em que nos torna “míopes”. Nesse sentido, nos deparamos com a pertinência poética de Drummond em "A Verdade Dividida" corroborando com o pensamento freiriano “E era preciso optar. Cada um optou conforme seu capricho, sua ilusão, sua miopia”. Portanto, a obra de Freire mobiliza o leitor para que esse realize suas representações do mundo e sua realidade, tornando-se, assim, capaz de transformá-la efetivamente, de forma consciente, numa dimensão prática revolucionária, democrática, libertadora e crítica do mundo.

Nesse sentido, o enredo do filme Sociedade dos Poetas Mortos do diretor Peter Weir, faz uma crítica a educação mecânica, adotada nas escolas, trazendo, através da sedução da "telinha", uma abordagem contextualizada, onde as cenas giram em torno da visão de um professor que rompe em sua prática com um modelo de educação fossilizado e marcado pela inércia social de seus atores. Em suas aulas, o professor mobiliza o grupo para a leitura de obras literárias que possam ser saboreadas e articuladas às suas vivências sociais, redimensionando, assim, o espaço-tempo da literatura das culturas passadas em interface com o contexto presente, "pois mesmo os sentidos passados, aqueles que nasceram do diálogo com séculos passados, nunca estarão estabilizados (encerrados, acabados de uma vez por todas). Sempre se modificarão (renovando-se) no desenrolar do diálogo subsequente, futuro. Não há nada morto de maneira absoluta. Todo sentido festejará um dia seu renascimento. (Mikhail Bakhtin)– aspecto que faz a leitura de uma obra inscrever-se numa dinâmica renovada, crítica, criativa e transformadora, como parte de uma pedagogia revolucionária, defendida por Paulo Freire em toda extensão de seus escritos e reflexões.

A epígrafe que abre esse trabalho, traz como metáfora a viagem empreendida pelo leitor em terras de outrem. E esse outrem? Quem é esse outrem? Aquele ou aqueles para quem o ato de ler representa um desafio sempre a vista - a chave que abre o caminho para a autonomia e para cidadania.

Descortinar o palco de um Brasil Novo. Fazer do rasgo dessa cortina o corte do arame empreendido pelo MST - Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra que fazem através da luta diária a re-escrita e a re-leitura de suas histórias das pelejas empreendidas pela conquista de seus direitos. Fazer da leitura a porta de todas as escolas, fazer da escola a chave que abre os caminhos de uma revolução no pensamento e na ação.

Não aceitar que Ivo, apenas, veja a uva, mas que a uva seja alimento na mesa de Ivo, representa a re-escrita do alfabeto. A cada leitura, um novo mundo, a cada novo mundo, um homem novo e uma mulher nova.
Que viva Paulo Freire
Que viva o País de Paulo Freire
Que viva Pernambuco – do cais ao sertão a construção de um projeto político erguido ti-jo-lo a ti-jo-lo como base de sustentação e abrigo de nossos sonhos e realizações.

2 comentários:

  1. Cida, querida! Vamos atualizar esse blog, quero conhecer seus cursistas.

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  2. Olá, Aparecida! É prazeroso ler suas reflexões. Estou contente também por Petrolina estar no front de todos os conhecimentos adquiridos através do GESTAR II que estes momentos de estudo possam ser ampliados para todos da Escola. Com certeza hoje não sou mais EU, Somos NÓS na busca incessante de uma educação de qualidade.
    bjos
    Cursista do Gestar II
    Tânia Rabelo

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